sábado, 25 de outubro de 2008

Chuta que É Macumba

Clara tinha acabado de chegar em São Paulo para um congresso, sua tia foi buscá-la no aeroporto e enquanto colocavam a conversa em dia foram para casa tomar o café da manhã. Café e banho tomados Clara foi falar com a tia:

- Não quero ir pro congresso hoje, as aberturas são sempre chatas. Você pode me levar pra conhecer um lugar interessante?

- Lugar interessante? Claaaro, vamos lá.

No caminho Clara tentava imaginar para onde estavam indo: Shopping Eldorado? 25 de Março? Um tour pela Avenida Paulista? Mas preferia não perguntar, qualquer um desses seria uma boa opção, era melhor guardar a surpresa. Já faziam 35 minutos que haviam saído de casa, e nada, não que as coisas sejam perto em São Paulo e o trânsito fácil, mas a casa de sua tia era bem localizada e o trânsito estava incrivelmente livre naquele dia, o estranho é que elas entravam em bairros cada vez mais parecidos com cidades do interior com ruas estreitas e lojas desertas e ultrapassadas, aquela paisagem parecia estar longe da de um local interessante.


20 minutos depois o carro estacionou em frente a uma casa velha e mais baixa que a calçada, a aparência era assustadora:

- Chegamos, esta é a casa de Dona Abghail, você vai adorar conhecê-la.


Entre o muro e a casa havia um estreito jardim saturado de todos os tipos de ervas e plantas desconhecidas. Na sala havia uma velha baixa e gorda, morena, com a pele semelhante à bochecha de um bulldog e usando um Ray-Ban. Estava atrás de uma enorme mesa. Em cima da mesa haviam mais de 50 santos diferentes e um crucifixo gigante, pela porta do fundo era possível ver um terreiro com não menos que 30 galinhas pretas. Clara só se perguntava quem diabos era essa Dona Abghail, uma mãe de santo? rezadeira? macumbeira? curandeira? mutante sobrenatural? Mais tarde descobriu que ela agia como se fosse tudo isso e algo mais. O silêncio foi interrompido por uma voz gélida, áspera e metálica:



- Sabia que vocês viriam hoje pela manhã. (Claro)

- Você é um anjo! - (Mais uma atribuição) - Eu trouxe minha sobrinha para lhe conhecer, a Clara.

- Nem precisa dizer seu nome completo e endereço, já está no caderno dos familiares de primeiro, segundo e terceiro graus da sua tia. Anote aí numa dessas folhas que estão em cima da mesa o nome de seu protetor e dos anjos da guarda de frente, de trás, do lado esquerdo e do direito e sua cor espiritual - Ela falou todos os nomes, pegou uma bengala para cegos (Ela ser cega dá todo um charme para os poderes sobrenaturais) e pareceu fazer preces em torno de Clara, depois, voltou para sua poltrona vermelha - Anote agora as folhas dos banhos, você deve usá-las no lugar do sabonete, mas pode usar shampoo (Que alívio), lembre-se de nunca usar a toalha, a água deve evaporar naturalmente (Isso no frio de São Paulo deve ser ótimo). Ah, e se quiserem podem "pegar" as folhas aqui no quintal, são difíceis de ser encontradas por aí (Não diga).


Antes de sair, a tia entregou uma feira de supermercado que fez para D. Abghail, pagou R$50 por uns pacotes de folhas e deixou mais de R$100 pela "consulta" e pelas orações que D. Abghail faz por ela quando ela precisa.

Mal haviam saído e a tia ligou pra sua Guru:

- Esqueci de lhe perguntar, por qual caminho devo voltar? Ah, tem razão, pela autopista deve ser mais rápido e seguro mesmo, obrigada, tchau.

- Tia você intercede a ela por tudo? Não vi nada demais naquela mulher, a não ser a esperteza.

- Não fale assim de Dona Abghail, ela é violenta, você não conhece as rezas dela. Seu avião só não caiu porque pedi a ela que o guiasse (Primeiro Mandamento, não fales o nome de D. Abghail em vão). E só não batemos o carro ainda porque dirijo com anéis e aliança na mão oposta pra evitar acidentes, além de ter usado um vestido com lilás, verde e laranja no réveillon, como ela mandou. Ela agora está tentando fazer com que minha vizinha se mude. Lembra dela? Parecia ser minha amiga, mas é bruxa, vivo caindo em casa, só pode ser praga dela (Danou-se). Vive de cara feia pra mim.

- Você continua lavando o muro de madrugada?

- Sim.

- Então entendo a raiva dela.

Depois desse dia Clara não perdeu um dia de congresso, dormiu 2 deles ilegalmente no quarto de suas amigas num hotel e dizia onde queria ir a sua tia antes de saírem. E por via das dúvidas, era melhor não ficar falando de Dona Abghail.