terça-feira, 13 de outubro de 2009

Violência em Trânsito

Márcio voltava da churrascaria Mama’Minha, estava sozinho no seu novo Fiat 500, seu mais novo sonho de consumo realizado. Tinha almoçado com a família e ia à casa de um amigo assistir ao jogo da seleção do Brasil com a rapaziada.

Faltavam apenas 15 minutos para as 4 da tarde. A avenida do parque municipal estava completamente deserta, perfeita para ele testar ao máximo seu possante.

Quando o velocímetro chegava aos 140 km/h apareceram em sua frente dois meninos atravessando a pista correndo com uma pipa, ele freou o carro de uma vez, os meninos conseguiram chegar à calçada quando o carro chegava a 40 km/h, mas Márcio não esperava que houvesse um terceiro garoto, que estava bem em frente ao carro. O garoto pulou bem na hora e se livrou do carro.

A sensação de alivio logo deu lugar à raiva. Márcio gritou algo inaudível para o moleque, o qual deveria ter aproximadamente uns oito anos, e o pivete mandou uma dedada de volta. Foi a gota d’água, Márcio pegou o primeiro retorno que apareceu e foi com o carro em direção ao grupo de garotos, que já nem o notavam, de costas.


Sua intenção era de meter uns cascudos no moleque para lhe dar uma lição inesquecível. Tudo ocorreu bastante rápido, um deles viu o Fiat 500 branco com faixas laterais verde e vermelha – un taliano allineare – chegar perto e avisou ao menor deles, o alvo. A reação dele foi imediata, correu para outra pista sem olhar sequer para uma Pajero Full que vinha com certeza, a não menos de 80 km/h e lhe atingiu em cheio.

A Pajero parou e um homem de seus 40 anos desceu e foi ao encontro da vítima, jogada a mais de 100 metros. Da carona desceu uma senhora, a qual parecia ser sua esposa, que foi conter o desespero de três crianças no banco traseiro, duas meninas e um menino, todos menores que o garoto atropelado.

Não sei de onde nem como, mas o número de pessoas que se aglomeravam no local era impressionante, o motorista gritou que o garoto parecia morto e seus dois colegas gritavam e apontavam para o Fiat 500, paralisado no mesmo local do outro lado da avenida desde o momento do acidente.

Foi então que Márcio despertou, arrancou o carro ouvindo gritos e ainda cruzou com a ambulância que ia ao local do acidente.

Chegou à casa do Thiago, seu amigo, e se deu conta de que o jogo já havia começado, o Brasil estava perdendo para Bolívia por um a zero. Thiago não pôde conter o espanto e perguntou:
- O que foi que aconteceu com você cara? Parece que viu defunto.
- E vi. Pior ainda, eu gerei aquele defunto.
- Entra logo e me explica qual foi a merda que você fez dessa vez.

Márcio contou tudo o que ocorrera a todos que estavam ali presentes, e partiu para a delegacia para se entregar, ele sabia que não era o principal culpado, não tinha atropelado ninguém, mas tinha ainda um mínimo de dignidade para honrar e assumir a sua parcela de culpa.

O caso atingiu grandes proporções na mídia e alguns meses depois Márcio fazia campanhas contra a violência no transito. Até que numa saída de festa ele trancou um carro sem intenção e uma bala foi cravada no meio da sua testa.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Viver ou morrer em Paris?

Jules acordou mais deprimido que de costume, esse era o seu problema, acordar. Você pode imaginar, caro amigo, o que é acordar quando se está morto? E ainda por cima conseguindo interagir com todos e ser tido como louco por se declarar um defunto? Por que teimavam com ele algo tão óbvio? O que há de errado em morrer? Se tantos podem por que ele não? Quanta injustiça!

Hoje era um dia decisivo para ele, o seu dia D. O morto-vivo optara por não mais se alimentar, afinal, mortos não comem. Foi quase que rastejando até o banheiro e começou a encher a banheira com água morna, mas logo mudou de idéia, não havia necessidade disso, vestiu o pijama jogado na porta e saiu às ruas numa manhã espetacular na sua charmosa Paris. Dobrou a esquina da rua na qual morava, Rua Cotard, número 1880, e se dirigiu ao seu local preferido da cidade - e também de inúmeras pessoas em todo o mundo - a Torre Eiffel.

O cenário estava perfeito, um gramado repleto de pessoas pegando o sol leve da manhã e fazendo piqueniques, não faltariam testemunhas para vislumbrar sua prova de imortalidade.

Jules pegou o elevador e foi ao último nível da Torre aberto à visitação. Chegara a hora de provar ao mundo que estava certo, ou seja, era um defunto, portanto, imortal.

Já apoiado no parapeito começou a fazer um grande escândalo e rapidamente conseguiu o que pretendia, a atenção de todos ali presentes. Griatava para a multidão: Estou morto! Por que vocês não me aceitam como tal?

As pessoas abaixo dele começaram a se aglomerar para ver de perto o maluco que se jogaria Torre abaixo - a humanidade nunca encontrou atividade melhor do que ver a desgraça alheia, e vê-la numa paisagem daquelas era imperdível, nem o Coliseu é palco melhor.

Peço já desculpas pela descrição tão breve do momento, mas foi um ato tão rápido que o que expus há pouco ocorreu em frações de segundos: Jules, o morto-vivo parisiense, se jogara Torre abaixo atraindo ainda mais curiosos que queriam ver seu corpo em migalhas na base do monumento.

Azar ou sorte, tire suas próprias conclusões, o cadáver estava vivo. Foi levado ao hospital - após um casal de turistas posarem ao lado dos paramédicos para uma foto - e após acordar mais de uma semana depois, descobriu que estava realmente vivo, e, como uma lembrança da tragédia, perdeu os movimentos das pernas e ganhou uma cadeira de rodas. Jules não ficou nem um pouco abalado, aliás, o que é perder duas pernas para quem tinha perdido a própria vida?