domingo, 11 de janeiro de 2009

Que Assim Seja, Amém!

Eram oito horas da manhã e o sino da igreja chamava os fiéis para mais uma missa dominical na Ilhéus de 1932. Os coronéis do cacau levavam suas esposas até a porta da igreja no porto e atravessavam a rua rumo ao bar Vesúvio, para resolverem negócios...

Assim que o último coronel entrava no bar as portas eram fechadas. Manoel, o português dono do bar, abriu as portas mais distantes do fundo do bar e e foi puxando a procissão pelo túnel escuro. 200 metros adiante Manoel abriu outra porta, essa com dois grossos cadeados, e o Sol, que ali parecia mais radiante, iluminou os rostos dos sorridentes coronéis.

Ali funcionava o Bataclan, o paraíso dos homens daquela região, e de outras, que vinham conferir o comentado bordel e casa de jogos. Na sala de entrada todos guardavam seus chapéus, paletós e bengalas e já acendiam os charutos cubanos enquanto se dirigiam à sala de jogos. De meia em meia hora dançarinas de cabaret entretiam os clientes com shows e iam com os perdedores do poker para os aposentos no andar superior.


Num dos shows o som foi interrompido, Maria Machadão, a proprietária do estabelecimento, uma senhora de seus 60 anos, mas com cara e corpo de 30, entrou no salão e de mesa em mesa cumprimentou os seus clientes. Aquela mulher era tudo o que aqueles coronéis mais desejavam, mas, para a infelicidade deles ela era uma dama de respeito, e só administrava o lugar. Ela passou um tempo maior numa das mesas de jogatina, a mesa na qual estava sentado o coronel Olívio, o único que a possuía. O caso deles já tinha quase uma década, e embora todos na cidade soubessem, eles eram muitíssimo discretos. Primeiro, ela se recolheu ao seu quarto, e em menos de dois minutos Olívio pediu licença para redigir uma carta no escritório público, que ficava vizinho ao quarto da Srta machadão.


Na igreja o padre chegava às duas horas de missa ininterruptas, metade do tempo total, e o calor era insuportável, mas não tanto quanto aquelas mulheres precisavam fingir acreditar nas reuniões dos maridos e tolerá-las, mas, fazer o quê se isso era o preço a se pagar para levar uma vida de madame. Tudo pelas roupas vindas da Europa e pela mordomia de ter escravos numa época em que a escravidão já não deveria existir. Dona Ana Maria, esposa do coronel Olívio, o mais rico da região, tinha seu lugar e os de suas filhas reservados pelo padre Itamar na primeira fila, era o camarote vip da época, o lugar mais próximo de Deus, e do santíssimo padre.


Após quatro horas de missa em latim, cantos que caberiam em uma caixa de vinís, ventos gerados pelos leques capazes de mover moinhos e suor que daria para abastecer a cidade por uma semana o padre ordenou que o coroinha mais velho fosse tocar o sino anunciando o fim da missa, disse ainda: Toque daquele jeito!


O coroinha chamou um colega para ajudar e foram com todas as suas forças tocar o sino, tocavam sempre por três minutos, e então retornaram ao altar. O padre autorizou que abrissem as portas e foi o primeiro a sair em direção ao bar Vesúvio. As mulheres, como de costume, foram conversar na praça enquanto esperavam pelos seus coronéis.


A multidão tinha acabado de chegar pelo túnel do Manoel quando um funcionário do Vesúvio abriu a porta para o padre Itamar. Os coronéis fizeram fila para receber as bênçãos divinas e após recebê-las deram cada um sua contribuição ao coronel Olívio, que somou mais uma generosa quantia e repassou o dinheiro ao bondoso padre, que exercia a cada semana o seu papel celestial de distrair as mulheres. E assim, a vida sustentada por cacau continuou em Ilhéus por muitos e muitos anos, com cada vez mais dançarinas, coronéis, padres e beatas.